Igreja de Benguela

O Compromisso cristão na vida Sócio-Política

Tema de Estudo: 4o Fascículo do 3o Ano da Segunda Etapa do Sínodo

Benguela Junho - 2001

 

Introdução

A Sociedade – Estado, lugar natural para a realização do ser humano

O homem foi criado para viver em sociedade

Como cidadão de um Estado, o cristão é um político no verdadeiro sentido da palavra.

Todo o cidadão é destinatário e protagonista da vida da sua nação

Participar na vida social da nação

A caridade impele-nos a sermos cidadãos conscientes, políticos exigentes, trabalhadores responsáveis e "patriotas de gema"

O compromisso cristão na vida sócio-política

Natureza do compromisso cristão

Como definir o compromisso do cristão na vida social e política da Província de Benguela.

Conclusão.

Perguntas para o trabalho de grupo


Introdução

    O homem é uma criatura que surge, por iniciativa gratuita de Deus, de um homem e uma mulher, isto é, de um pai e uma mãe, depende deles e está ligado à genealogia de cada uma das partes. Segundo a doutrina da Bíblia e da Igreja, todos têm a sua origem em Adão e Eva, considerados pais da humanidade, donde deriva a base da sua natureza social.

    As experiências que acompanham o homem como criatura são: nasce, cresce, desenvolve-se, multiplica-se, envelhece e morre. Ele faz estas experiências dentro de uma família, de um ambiente económico, político, cultural, religioso, etc. que o podem ajudar a realizar-se como criatura ou não, a desenvolver-se ou não. Daí que o homem não é só produto de uma relação dum pai e duma mãe que lhe deram origem, comungando do sangue de seus pais, como sua origem, mas também alguém que é condicionado pelas situações acima referidas.

    Noutras palavras, podemos mesmo dizer que ele é produto da relação com os outros uma vez que é com eles – com tudo o que são e têm – que ele consegue satisfazer os sonhos, as necessidades que lhe brotam do íntimo do coração; com eles escreve a sua história e faz a experiência de amor e carinho, atenção e dedicação, responsabilidade e confiança que lhe vêem dos outros, homens e mulheres. Podemos mesmo fazer-nos perguntas como estas: quem satisfaz a necessidade que cada homem tem de se ver incluido num grupo? Quem satisfaz a necessidade de segurança que o homem traz consigo? Quem satisfaz a necessidade de afecto que ele transporta dentro de si? São, sem dúvida, e naturalmente os outros. A sociabilidade denunciada por estas necessidades despertam em nós a vontade de nos sentirmos realizados só na medida em que estivermos ligados aos outros e a aprender sempre deles. O homem está submetido à acção de tudo aquilo que sobre ele age, inclusive o meio ambiente que o alimenta, molda e educa, embora saibamos que ele não dependa só disto, mas daquilo que ele mesmo vai sendo aos poucos na linha da perfeição sempre maior dentro da comunidade.

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1. A Sociedade – Estado, lugar natural para a realização do ser humano.

    O homem desde há muito tempo deu-se conta de que foi criado semelhante aos outros e reconheceu que era incapaz de, em proveito da sua própria vida, dominar sozinho tudo o que Deus da terra lhe deu. Aliás, a ordem "multiplicai-vos e dominai a terra" foi dada a toda a comunidade humana. Segundo um sábio da antiquidade (Aristóteles), o homem sozinho não pode satisfazer as próprias necessidades, nem mesmo realizar as suas próprias aspirações. É, portanto, a própria natureza do indivíduo que o obriga a associar-se com os outros e organizar-se em sociedade. Daqui a afirmação: o homem é essencialmente sociável. Ele sozinho não pode vir a este mundo, não pode crescer, não se pode educar, não se pode afirmar; sozinho não pode nem satisfazer as suas mais elementares (simples) necessidades nem realizar as suas aspirações mais elevadas. Ele pode obter tudo isto só na companhia e com a cooperação dos outros. Enfim, o que ele pode fazer sozinho é destruir-se.

    Para que o homem possa ser ele mesmo e existir, para se poder desenvolver e realizar-se em todos os aspectos da sua vida, a fim de se ir aperfeiçoando sempre mais, é necessário que – segundo a vontade do próprio Deus, criador de tudo e de todos – nasça numa família, pertença a um grupo e viva em sociedade. Trata-se de uma sociedade cuja finalidade é buscar, manter, multiplicar e distribuir de modo justo o Bem Comum; trata-se de uma sociedade organizada de modo autónomo e responsável em óptimo Estado de Direito. Deste modo é necessário que cada homem – membro de uma sociedade (estado) e possuidor de uma dignidade própria – participe com tudo o que é e tem para a construção e perfeição de tal estado em que a nação se organizou.

    Aliás, o motivo pelo qual nasce o estado é tornar possível a vida das pessoas e também a vida feliz das mesmas, porque a meta final da vida humana é a felicidade.

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  • 2. O homem foi criado para viver em sociedade
    1. O homem, pelo facto de ter um corpo e um sopro de vida, por ser um ser racional (que pensa), dotado de vontade (que quer) e diz (fala) aquilo que pensa, torna-se apto para se juntar aos outros a fim de se organizar em sociedade, tornar-se capaz de possuir uma cultura, capaz de fazer isto e aquilo, de se divertir com os outros, de se ligar a um Deus, através da religião, etc.

      A capacidade que ele tem de conhecer as coisas ajuda-o a conhecer-se a si mesmo, conhecer os outros e apreciar a sua presença, acabando mesmo por reconhecer a importância que há em se unir a eles; a linguagem que usa, tanto falada quanto mímica, permite-lhe entrar em contacto com os seus semelhantes; a vontade, isto é, o querer impele-o não só a entrar em contacto com os outros, mas também a trabalhar com eles para o bem de todos e cada um.

      Os homens, apesar de serem muitos, distintos uns dos outros e com limitações, somente em sociedade organizada em estado se podem desenvolver e satisfazer as suas necessidades individual e colectivamente, porque eles se completam uns aos outros. Daí o dito popular: "uma mão lava a outra". Portanto, o ser humano só se realiza enquanto membro (cidadão) de uma sociedade organizada, autónoma e democraticamente, em Estado.

      Tenhamos presente que a complementaridade não é um defeito, mas a marca que acompanha todos os seres que amam e recebem o amor dos outros; os homens servem uns aos outros, trabalham para o bem uns dos outros e de cada um; cada um só se realiza na comunidade. A satisfação da sociabilidade, a consciência de que ninguém é auto-suficiente (ninguém se basta a si mesmo), a complementaridade e a vontade de amar e ser amado são uma maneira de participar naquele amor que faz das três Pessoas da Santíssima Trindade um único Deus, um Deus uno e trino ao mesmo tempo.

    II. 1- Como cidadão de um Estado, o cristão é um político no verdadeiro sentido da palavra.

      Comecemos mesmo por nos perguntar se todo o homem é cidadão. Se a natureza social do homem é a propensão, isto é, a inclinação que reside em si, levando-o a viver com os outros, a comunicar-se com eles, a partilhar com eles as suas emoções e bens, tornando-os mesmo participantes das suas experiências e desejos; se a politicidade, isto é, a organização dos homens em sociedade, é resultado da consciência da complementaridade querida por Deus – Criador e da inclinação a viver sempre em comunidade, mantendo-se sempre em relação com os outros individualmente ou em grupo, então não é demais reconhecer que a sociabilidade e politicidade exigem empenho recíproco e uma dedicação conjunta em prol do bem estar de todo o grupo e de cada um dos membros de uma Nação politicamente organizada, isto é, dum Estado. Pelo facto mesmo de todo o homem estar inserido numa Nação que é "uma comunidade com uma história comum, em afinidade de espírito e de instituições (mentalidade, educação, estilo de vida e de relações sociais, valores éticos, maneira de estar no mundo e lidar com a natureza), com o sentimento de um destino comum (consciência dos problemas e destino ou futuro comuns) e marcada pelas condições como nasceu derivadas da língua ou línguas, etnia ou etnias, religiosidade, geografia e política, marcando o seu carácter", e em muitos casos (senão todos) politicamente organizada e com soberania própria, isto é, constituida em Estado, dizemos que todo o homem é cidadão. Numa palavra: a cidadania resulta do ser e existir, viver e realizar-se numa nação, cumprindo os próprios deveres e reivindicando os direitos sempre que forem atropelados pela instituição encarregada de tutelar o bem comum, neste caso o Estado. Ser cidadão é ser e agir, no próprio País, segundo os deveres e direitos que brotam do facto de se ser membro de uma nação.

      Em qualquer Estado a consciência da sociabilidade leva o homem a aderir ao grupo social em que nasceu, cresceu e se tornou o que é, e a identificar-se com os outros membros no dever do amor à Pátria; leva-o a partilhar com eles a mesma realidade nacional, manifestada na identidade cultural e na política que regula as relações das pessoas, através dos chamados

      órgãos (instituições) do Estado. Em contrapartida, é daí que resulta o dever - obrigação do Estado Instituido, nos seus órgãos de governo, de buscar constantemente o progresso e o desenvolvimento, o bem estar e a realização de todos os cidadãos a todos os níveis. Quando tal não acontece, observados os deveres de subordinação aos órgãos do Estado que pesam sobre cada um dos cidadãos, estes devem ter a coragem de reivindicar os direitos que adquirem pelo facto de serem cidadãos de uma determinada nação, tanto por nascimento como por adopção nos termos da lei que a regula em cada Estado.

      Sabemos que o homem é um ser político por natureza (possui em si a "arte ou capacidade" estabelecer relações e conviver com os outros) e por isso é sua obrigação trabalhar, de modo responsável e insubstituível pelo progresso e desenvolvimento da sua nação; tem a obrigação de trabalhar pelo bem estar e realização de si mesmo e dos outros concidadãos sem discriminação seja de que natureza for. Aliás, os cidadãos da mesma Pátria são todos irmãos e irmãs em Cristo Jesus. Deste modo, sempre que a natureza política do homem individualmente ou em grupo viole as fronteiras da honra e da dignidade dos seus concidadãos para favorecer interesses privados (pessoais) transforma-se em "politiquice"; torna-se porta aberta para o despotismo (abuso do poder) e geradora de uma gama incontável de desordens, injustiças, opressão social e seus derivantes. Às vezes chega a tornar-se numa "autêntica estrutura do pecado".

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    II – Todo o cidadão é destinatário e protagonista da vida da sua nação

      O bem comum que deve estar no centro das preocupações dos membros de qualquer sociedade bem organizada está assente no respeito incondicional da pessoa. Trata-se de um respeito que obriga toda a sociedade a empenhar-se em permitir a cada um dos seus membros realizar a sua própria vocação. Aliás, Deus não quis reservar só para Si o exercício de todos os seus poderes, mas confiou a cada criatura – e o homem é a criatura mais nobre – o poder de exercer, segundo as capacidades da própria natureza, algumas funções na vida social para benefício próprio e comunitário, como sugere o texto: «Façamos o homem à Nossa imagem, à Nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra... Enchei e dominai a terra».

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    Participar na vida social da nação

      Dissemos atrás que a consciência da pertença à comunidade em que nasce, vive e, às vezes, morre, a consciência do valor da complementaridade, justificando em certa medida a sua sociabilidade para experimentar e partilhar com os outros o amor de Deus, levava o homem a organizar-se com eles de modo livre e soberano em Estado Independente a fim de atingirem como povo unido uma meta: a felicidade e o bem estar a todos os níveis.

      Ao povo constituido em Nação ou Estado, possuidor de uma soberania, Deus concedeu um território e a totalidade dos seus recursos. É aos órgãos do Estado revestidos de poderes (autoridade) que cabe, como eleitos ou escolhidos para exercer o poder público em nome e em representação dos cidadãos, o dever de assegurar a disciplina e a ordem social dos mesmos, a organização e conjugação dos seus esforços na busca constante da Paz, do progresso ou desenvolvimento e do bem estar de todos sem excepção.

      O exercício do poder público por delegação do povo (dos cidadãos) e em sua representação implica (exige) a legitimidade que é dada pelo mesmo povo através das chamadas eleições livres e democráticas (nos Estados que abraçaram a Democracia como forma de Governo). Sobre cada um dos escolhidos para exercer o poder público que lhe vem do povo em ordem ao bem comum (ao bem de todos) pesa a responsabilidade de adoptar uma política honesta, isto é, que transcende (ultrapassa) os interesses pessoais, rege-se por meios moralmente lícitos e por uma Lei que obriga a todos (a lei constitucional no caso de Angola); sobre eles pesa a responsabilidade de arbitrar, em nome do bem comum, entre os diversos interesses. Daí que os regimes políticos que sustentam o exercício do poder público em contradição com a lei natural, a lei divina, a ordem pública e os direitos fundamentais das pessoas, não podem promover o bem comum dos cidadãos da nação a que se impuseram, mas a sua destruição, como o afirmam os Bispos de Angola e São Tomé e Príncipe:

      «o homem pode organizar a terra sem Deus, mas, sem Deus só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano».

      Os homens revestidos do poder público devem organizar uma política que favoreça a participação de todos na conquista do bem para o qual foram constituidos. Se o patriotismo é a virtude própria do cidadão, ela é uma virtude propriíssima dos políticos e dos governantes. Só pode ter vocação de político e de governante quem tiver um profundo amor à sua Pátria e, naturalmente, aos seus compatriotas. E o que fazer com aqueles políticos ou governantes que não sofrem ao ver o seu país destruído, pilhado, vilipendiado? O que fazer com aqueles políticos ou governantes que não sofrem (e menos ainda agem e quando agem é só para ficarem em promessas estéreis) ao ver os seus irmãos a morrer de fome, de doença e das mais variadas privações? E o que fazer com aqueles políticos e governantes que não estão dispostos a sacrificar-se para servir os outros em vez de se servirem deles? A autoridade política ou governamental que assim procede é ilegítima, fica desacreditada, sem "autoridade moral"; e o povo vê-se no direito (tem o direito) de eleger ou escolher outros que o representem com dignidade e defendam os seus verdadeiros interesses. Assim funciona a Democracia, assim funciona a política da organização da Sociedade em Estado mais adequada à natureza social do homem.

      A natureza humana, ao prescrever a realização do homem em sociedade, dotou-o de mecanismos (capacidades) que lhe permitem distanciar-se progressivamente da animalidade e enveredar pelo caminho da civilização. A vida em sociedade foi, desde os tempos mais antigos, o meio privilegiado de que o homem se serviu para vencer os obstáculos que a natureza lhe punha a cada passo. Por esta razão, o homem, já no início, estabeleceu princípios de organização que permitia aos grupos humanos a sobrevivência e a conservação da espécie.

      É neste sentido que a política aparece como forma de regulamentar e arbitrar a vida dos homens organizados em sociedade ou nação. Àqueles que a exercem (aos políticos) pede-se uma capacidade humana e moral (espiritual) de satisfazer a totalidade das necessidades dos cidadãos e responder aos seus problemas. Trata-se de uma política que abrange tudo aquilo que "diz respeito à vida da cidade", fazendo com que cada qual possa ter acesso ao que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: a harmonia nas relações sociais dos citadinos (a honra, a boa fama, o respeito, a solidariedade), a possibilidade económica para todos, através de um salário que se ajuste ao real custo de vida, a alimentação, a cultura, a arte, o desporto, a recreação, as oportunidades na vida social aberta a todos, a saúde, o trabalho e a realização profissional justamente remunerados, a escolaridade, a educação, a segurança, a liberdade religiosa, a liberdade de consciência, liberdade de expressão, de circulação e de associação, a formação e informação convenientes, a justiça sem discriminação, o direito a constituir família, a legítima defesa, o respeito pela diversidade, etc. Estes elementos, numa palavra, não só são a garantia, mas os sinais da presença da Paz, da fraternidade e do progresso da sociedade, da Nação. Pode-se mesmo dizer que uma Nação assim organizada é saudável.

       

       

       

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    A caridade impele-nos a sermos cidadãos conscientes, políticos exigentes, trabalhadores responsáveis e "patriotas de gema".

      Sem querermos contradizer o que afirmamos antes, dizemos que a tarefa de organizar a sociedade não é só obrigação daqueles que geralmente chamamos políticos. A estes cabe fundamentalmente o dever de fazer funcionar, ao fim e ao cabo, o que foi concebido por todos. Naquilo que diz respeito à sociedade, à Nação, o cristão como seu membro (cidadão) não pode estar à margem do que se passa no seu meio ambiente nem mesmo pode ser indiferente aos problemas do seu País, precisamente porque a «nossa fé em Deus e o amor dos irmãos devem traduzir-se em obras concretas. O seguimento de Cristo significa empenhar-se em viver segundo o Seu modelo». Para ilustrarmos o nosso pensamento, serve-nos a observação dos Bispos: « [...] da Angola independente nasceu para todos nós, a exigência e o orgulho de podermos construir, em nosso próprio nome, esta terra, reencontrar os nossos valores, o que de positivo têm os nossos costumes, as nossas tradições, a nossa cultura [...] Alguém poderia pensar, erradamente, que o cristão, pelo facto de esperar uma pátria futura, se desinteressa da pátria presente. Pelo contrário, tal esperança deve levá-lo a comprometer-se mais seriamente nas tarefas que melhoram o mundo, tanto no plano material como no plano moral ».

      Este é o sentido do verdadeiro patriotismo e, por sinal, uma virtude cristã. Infelizmente, o que temos vindo a conhecer e a experimentar, tem-nos feito crer que muitos (cidadãos comuns e sobretudo políticos) têm reduzido o significado do patriotismo às simples proezas humanas – na maior parte das vezes anti-humanas – para lograr (atingir) objectivos pessoais, egoistas. Isto não é de modo algum patriotismo. «O verdadeiro patriota é o cidadão que ama a sua Pátria com todos os valores que ela possui e o primeiro valor são os outros cidadãos, e não o diamante, o petróleo, a madeira, as quintas, os carros do último grito, os bois, as notas verdes (dólares) acumuladas ilicitamente no bolso de um só. O partriota é aquele que ama os seus irmãos (filhos da mesma Pátria), e, por isso, não os rejeita, não os destrói, não os mata, não destrói os seus bens, tanto por mãos próprias como por mãos alheias (conivência).

      A nossa história tem-nos mostrado que a falta de coerência (ligação) entre a fé que se professa e a vida de cada dia tem sido uma entre muitas causas que geram pobreza e/ou outros desiquilíbrios sociais, porque a fé, em muitos casos, não teve força necessária para penetrar nos critérios e nas decisões dos sectores responsáveis pela condução ideológica e pela organização da convivência social, económica e política de muitos países e do(s) nosso(s) país(es).

      Todos, mas todos mesmo, pelo simples facto de vivermos na mesma Nação, temos a obrigação natural de dar o nosso contributo, cada um segundo os dons recebidos de Deus e iluminados pelo espírito do evangelho, para o seu florescimento e engrandecimento, para o seu progresso e desenvolvimento.

      Mas uma coisa: a caridade do cristão que ama e serve a pessoa humana nunca deve estar separada da justiça. Embora se reconheça a superioridade daquela (caridade) sobre esta (justiça) e esta deve estar ao serviço daquela, todavia não se contrapõem. Uma e outra exigem o reconhecimento efectivo da dignidade e dos direitos da pessoa para a qual toda a sociedade com todas as suas estruturas e instituições estão ordenados. Tudo o que for feito em favor da pessoa é também serviço feito à sociedade, e tudo o que for realizado em favor da sociedade reverte em benefício da pessoa. Sempre que estiver em jogo o serviço da pessoa humana e da sociedade (nação), o cristão (sobretudo o leigo) não deve, de modo absoluto, deixar de participar (de dar o seu contributo) na vida social, política, económica, cultural, administrativa e legislativa, para a promoção e defesa do bem comum de todos os cidadãos.

      A Igreja tem afirmado constantemente que todos e cada um dos membros de uma sociedade têm o direito e o dever de participar na política, respeitando a diversidade e a complementaridade das formas, os níveis, as funções e as responsabilidades de cada um. Infelizmente, em muitos sistemas de governo, e certamente no nosso, a errada ou falsa compreensão da política, tanto entre analfabetos como entre alguns intelectuais fanáticos, fazendo dela um lugar de grandes riscos (perigos) para a tranquilidade pessoal e para a vida

      familiar, tem levado muitos cristãos a negar (absentismo) ou duvidar da sua participação na coisa pública. Neste contexto, até mesmo os mais dotados, os mais capazes, os que mais amam a pátria, deixam de dar o seu contributo para o seu engrandecimento, porque procedendo assim deixa-se de ter a busca do Bem Comum como critério e verdade que justificam a existência da política.

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    III – O compromisso cristão na vida sócio-política

      O processo do desenvolvimento e da libertação passa e concretiza-se na prática da solidariedade e na participação de todos na construção da "cidade terrena" e do homem – imagem viva de Deus Pai – que nela se encontra. Se a Igreja continua a acreditar tanto na possibilidade de superar os obstáculos - que, por excesso ou por defeito, impedem o justo desenvolvimento dos homens – como nas qualidades e energias presentes na pessoa humana – apesar da herança do pecado e o pecado que cada um comete -, também nós acreditamos na possibilidade de encontrarmos cristãos à altura de se comprometerem real e generosamente com a construção da nossa Pátria. De que compromisso se trata? É o que vamos ver a seguir.

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    III.1 Natureza do compromisso cristão

      Se comprometer-se significa obrigar-se por vontade própria a realizar uma promessa feita em grupo, o compromisso diz mais respeito à atitude que cada um dos membros do grupo assume para realizar (concretizar) o que se propuseram fazer em conjunto. O compromisso empenha as pessoas por elas próprias, isto é, obriga-as livremente a cumprirem o que prometeram. Neste sentido, o compromisso assumido na liberdade dos filhos de Deus exige responsabilidade. Enquanto o homem tiver vida, o compromisso nunca acaba, porque quando se atinge uma meta abre-se imediatamente outra; a nossa vida enquanto peregrinos por esta terra é um contínuo comprometer-se até vermos Deus face a face.

      O cristão é o discípulo de Cristo pelo baptismo. Todos nós pelo baptismo somos libertos do pecado e regenerados como filhos de Deus; tornamo-nos de Cristo, ungidos do Espírito Santo, constituindo-nos templos espirituais; somos incorporados na Igreja e feitos participantes da missão de Cristo e da Igreja: "anunciar a Boa Nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos, aos cegos o recobrar da vida, para mandar em liberdade os oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor". Cristão é aquele que com o exemplo da sua vida do dia a dia mostra ser uma "carta de Cristo enviada aos homens", porque o Espírito de Cristo actua em si e fá-lo viver de acordo e iluminado pela Sua vontade. Por outras palavras: leva uma vida inspirada pelo Evangelho de Jesus Cristo.

      Na vida social e política, o compromisso cristão consiste fundamentalmente na caridade, através de um serviço desinteressado às pessoas, especialmente as mais carecidas e as mais abandonadas dos próprios serviços sociais, a fim de se conquistarem os bens humanos (materiais), morais e espirituais para a realização (bem estar) de todos os membros da nação desde o seu nascimento até à morte natural na velhice. É por esta razão que o cristão deve promover e defender, através do testemunho de vida - primeira e insubstituível forma de evangelização -, a justiça entendida como "virtude" para a qual todos devem ser educados e como "força" moral que apoia o empenho em favorecer os direitos e os deveres de todos e de cada um dos cidadãos.

      O cristão, consciente de não ter na terra cidade permanente e reconhecendo a autonomia das realidades terrenas, deve centrar o seu compromisso na fidelidade à sua pátria, ao seu povo e à cultura nacional – mas sempre na liberdade que Cristo nos trouxe -, na luta aberta e coerente para superação de certas tentações que têm manchado o tecido social: "o recurso à deslealdade e à mentira, o desperdício do dinheiro público em vantagens de uns poucos e com discriminação de clientela, o uso de meios equívocos ou ilícitos para a todo o custo conquistar, conservar e aumentar o poder; o cristão está chamado – como sacerdote, profeta e rei, no sentido do Evangelho – a assumir posições corajosas e proféticas perante a corrupção do poder político ou económico; não correndo atrás da glória e dos bens materiais; orientando a sua caridade a favor dos pobres, dos mais pequenos e dos que sofrem. Só pela solidariedade humana e cristã no plano individual e no de todos os cidadãos é que o desígnio divino de felicidade para todos se poderá realizar e se encontrará caminho para vencer "políticas perversas" e as "estruturas de pecado" que tornam homens e povos mais escravos e menos homens. Numa palavra, o cristão é chamado a participar dos destinos da própria nação com o Evangelho na mão e a caridade (solidariedade) no coração para que, num serviço humilde e desinteressado, numa atitude compreensiva e profética, o amor de Deus chegue a cada homem.

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    III.2 Como definir o compromisso do cristão na vida social e política da Província de Benguela.

      O compromisso do cristão em Benguela deve partir necessariamente da afirmação segundo a qual Jesus Cristo ressuscitado é para cada homem e mulher, em qualquer circunstância e situação de vida, a água viva que mata a sede de justiça, de felicidade, de paz e liberdade. Aliás, o "homem e a mulher que se quiser compreender profundamente a si mesmo deve aproximar-se de Cristo", caminho, verdade e vida.

      Amar é servir Cristo nos irmãos; é ajudá-los a buscar incansavelmente a sua dignidade, à semelhança do bom samaritano, Jesus Cristo, que encarna a caridade e não se comove só com as desgraças dos outros, mas se torna ele mesmo a ajuda eficaz.

      O cristão benguelense não se deve contentar em fazer o registo (lista) dos problemas que afligem as pessoas e comover-se pelos males físicos, morais e espirituais em que muitos dos seus irmãos estão mergulhados, mas deve agir em consequência com actos concretos de caridade (solidariedade), porque no serviço desinteressado aos irmãos está em jogo a sua fidelidade ao próprio Deus, fundamento de toda a promoção humana, que no fim dos tempos perguntará: «onde está o teu irmãos?».

      É tempo de termos e de sermos os cristãos que pensam como pensa Cristo no seu Evangelho, abrem na história Benguelense as páginas da humanidade nova, renovada por dentro e por fora, feitos modelos do respeito pelos direitos do homem; é tempo de termos e sermos cristãos e cidadãos que, em matéria política, se comprometem com o que prometem, honrando os próprios compromissos diante dos citadinos, da nação e do mundo; que não se servem do povo mediante a fraude, a especulação e os abusos de confiança, mas tão somente servem o povo com os olhos postos no bem comum, nos interesses da nação.

      É tempo de termos e sermos cristãos e cidadãos que administram a coisa pública, as riquezas (recursos naturais) da nação e/ou da província na honestidade e na transparência; que reivindicam, denunciam e tocam com a verdade na língua a consciência daqueles que têm o poder político e económico, a fim de não se fazerem na vida à custa "de furtos de negócios fraudulentos, furtos dos assassinatos, furtos das profissões desonestas ou até retêm o salário dos seus concidadãos por "meses de 90 dias ou mais", como diz a gíria popular; que são capazes de denunciar e ajudar na mudança de vida daqueles que «fazem da necessidade do outro uma oportunidade para se enriquecerem» ou «vivem à custa do suor alheio, como se isso não fosse um delito que grita aos Céus»; é tempo de termos e sermos cristãos que, através da autoridade de uma vida exemplar, podem apelar aos governantes a levarem a mão à cabeça a fim de reflectirem a fundo no futuro da sociedade em geral e da nossa província em particular, quando no presente (agora) nos encontramos a semear no seio da juventude os germes da delinquência e da ruina, como: a vida demasiado fácil, o lucro fácil, a libertinagem, a preguiça por falta de emprego ou ocupação do seu tempo, a promiscuidade, a toxico-dependência (consumo de droga) como solução para compensar as frustrações, a prostituição como meio para lutar pela sobrevivência ou para ganhar a vida, esquecendo-se que "o salário do pecado é a morte".

      É tempo de termos e sermos cristãos (políticos ou não) que, com a autoridade de uma vida moral recta, são capazes de despertar na consciência das crianças, dos jovens (e até mesmo dos adultos) o amor à vida; capazes de lhes criar espaços educacionais e profissionais, assegurando-lhes a escola, a saúde e o emprego, a fim de ganharem a vida por meios honestos e dignificantes e ajudá-los a traçarem perspectivas para o futuro; capazes de incutir nelas o verdadeiro sentido do amor à pátria, porque da sua saúde física, intelectual, moral espiritual é que depende o futuro da sociedade e da Igreja. A este propósito o Apóstolo Paulo foi claro em dizer: «o que o homem semear, isso colherá».

      É tempo de termos e sermos cristãos que sabem viver e sabem ajudar os outros a conviver num clima (ambiente) em que a unidade e a diversidade – sinais da verdadeira democracia que favorece o pluripartidarismo – são respeitadas e promovidas nas escolas, nos hospitais, nas fábricas, nos campos de futebol, em todos os lugares habitados por várias pessoas, sem que ninguém possa ser rejeitado por causa disso; é tempo de os cristãos, e não só, em cada lugar de trabalho ou de recreio conviverem e colaborarem fraternalmente sem discriminação alguma por causa do partido que cada um deles professa, porque ninguém tem o direito de fazer da sua profissão uma militância política; é tempo de termos e sermos cristãos amantes do civismo de linguagem nas relações humanas que muitas vezes "ficam grávidas" de ódio e de vingança.

      É hora de os cristãos dizerem com o testemunho de vida que os assaltos à mão armada, o roubo qualificado e outras desordens semelhantes que alarmam os citadinos que, sentindo-se desprotegidos pela lei (que até existe) e optando por fazer a justiça por mãos próprias, são males e meios impróprios para procurar a sobrevivência; é tempo de eles dizerem que o estupro, a corrupção, o homicídio, o estímulo ao sexualismo com a propaganda de preservativos, espalhados pela nossa província e muitas vezes não assumidos pelos seus verdadeiros autores, mas atribuidos irresponsavelmente à guerra, são uma verdadeira peste moral que destrói pessoas, famílias, sociedade e "torna as estradas dos cemitérios muito percorridas".

      Este é um compromisso que obriga a todos, mesmo quando o seu destinatário é uma única pessoa. Vamos terminar a nossa reflexão ilustrando-a com um acontecimento que se deu em 1967: «um cosmonauta russo (Komarov) fez uma viagem no espaço sozinho. De volta à terra, duas horas antes de aterrar, recebeu a comunicação da existência de uma avaria na nave espacial, pelo que ela terminaria embatendo-se violentamente contra o solo e sem possibilidade alguma de se vir a salvar. O navegador aéreo entrou em contacto telefónico com a sua esposa; e depois com o Primeiro Ministro do seu país, o qual em resposta só lhe disse: "és um grande herói! Recordar-te-emos sempre, já que não nos é possível fazer nada por ti! Em resposta Komarov gritou: não quero morrer! Façam qualquer coisa por mim! Salvai-me". De facto, nada havia a fazer e o cosmonauta morreu no embate. Façam qualquer coisa por mim! Salvai-me! Este grito do cosmonauta russo chega ainda hoje aos nossos ouvidos, mas agora vindo dos nossos irmãos esmagados na sua dignidade, lesados nos seus direitos, vítimas da injustiça que não só viciou as pessoas individualmente, mas até as próprias estruturas. É o grito com o qual Cristo se identifica e não nos deve deixar indiferentes.

      No nosso contexto, a coerência com o nosso compromisso cristão na vida sócio-política não deve limitar-se num "recordar-te-emos sempre", porque nos é possível fazer alguma coisa concreta nos nossos irmãos que sendo homens vivem em condições infra-humanas; é possível fazer alguma coisa não só de forma solitária, mas e sobretudo solidária. É um compromisso que deve e deverá ser assumido como Cristo que lava os pés aos discípulos, isto é, sem ambição do poder, como quem procura a glória pessoal e não a glória da Província (da Pátria) e dos seus cidadãos ou como quem se serve dele como meio de lucro imediato, explorando por vezes os "pequenos" com perfídia (malícia), com violência ou armas da mentira, das meias verdades (desinformação), mas buscando o nosso maior bem e o dos nossos irmãos, com aquela criatividade que nos vem do Espírito Santo.

      O cristão está chamado por Deus a actuar como fermento na construção de uma cidade nova, usando correctamente os meios técnicos bons que a ciência humana coloca ao seu dispôr. Os cristãos enquanto cidadãos, isto é, membros de uma comunidade organizada politicamente têm o dever de participar, cada um segundo a sua condição, na buscar o bem comum da sociedade, como verdadeiro "sal da terra e luz do mundo". Como sal, para que, pelas virtudes que lhe são próprias, o tecido social não se continue a corromper; como luz, para que, pela propriedade que tem de iluminar, brilhe na escuridão da mentira, de outros males morais a luz da verdade que é Cristo Ressuscitado. Usemos as palavras do Senhor: «Brilhe a vossa luz diante dos homens de modo que, vendo as vossas obras, glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus». E não podia ser de outra maneira porque não temos o direito de "exigir aos outros aquilo em que só apostamos por palavras e não por uma conduta exemplar".

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    Conclusão

      A tomada de consciência dos problemas reais que afectam o povo, o espírito de perdão que conduz à paz e à solidariedade, a inserção de todos e cada um nos grupos (associações) livremente, a solidariedade honesta com aqueles que padecem privações, são, entre outras urgências, aquelas que esperam de todos nós soluções adequadas à luz de Cristo, da Sua Palavra e da Doutrina Social da Igreja, e não apenas paliativos, como fruto de uma formação e reflexão cuidada. Precisamos de nos envolver todos na busca de soluções para responder a todas as necessidades da criança, do jovem, do órfão, da mulher, da viúva, do homem e do velho, do marginalizado benguelense porque uma "sociedade saudável só pode nascer de pessoas saudáveis e equilibradas. Precisamos ver actuado e de fazer ver actuado o artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinado também pelo nosso País, que diz: «Todo o homem tem direito de tomar parte no governo do próprio país e de ter acesso ao serviço público. Toda a vontade do povo é a base da autoridade do poder público; esta vontade deverá ser expressa mediante eleições autênticas que deverão realizar-se periodicamente, por sufrágio universal e igual, e por voto secreto ou outro procedimento equivalente que garanta a liberdade do voto».

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    Perguntas para o trabalho de grupo

    1. Tendo consciência de que não serias nada sem a sociedade em que estás inserido, pelas influências positivas e negativas que dela recebes, que fazer, que meios usar, para buscares com os teus concidadãos, compatriotas, o bem comum?
    2. O Estado nasce da organização da sociedade, de acordo com uma política democrática, com a finalidade de responder às necessidades dos cidadãos sem discriminação. Como ajudá-lo para cumprir fielmente as suas obrigações?
    3. Qual deve ser o nosso compromisso para que a sociedade (a nossa nação, província) seja politicamente justa?
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    Trabalharam no Tema:
    Pe. Miguel Pequenino, Pe. Francisco Katchilinguitchimwe, Pe. Eduardo Alexandre, Pe. Pedro Lufune, Pe. Alexandre Tchikambi, Ir. Joana (fvd), Ir, Maria Angélica (isd), Sra. Dona Rosália Nawakwemba.

    Pedimos que as respostas às perguntas deste Tema sejam enviadas ao Secretariado Geral do Sínodo até ao dia 15 de Agosto 2001.



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     ultima revisão deste pagina: 12-11-2001