"GLOBALIZACAO" UM MONSTRO QUE ME DA’ MEDO
- O MEU OLHAR DE AFRICANO-
Por :José Adriano Ukwatchali,
Sacerdote Catolico Angolano de Benguela
Convidado por um grupo de amigos a participar a um Seminario do Grupo de Lugano sobre"O DERSPERTAR DAS COMUNIDADES, COMO SAIR DO APARTHEID GLOBAL", pensei escrever alguma coisa daquilo que penso sobre a "globalizaçao", para reflectir como africano que sou, sobre que coisa significa para muito de nos esta palavra , que se tornou ja uma moda. Proponho um debate sério , que saia das normais lamentaçoes e ponha a verdade sobre a Africa no seu justo lugar. Ha’ uma responsablidade que nao se pode esquecer, e todos, os africanos em primeiro lugar, e o ocidente em segundo,teem uma consideravel parte . Prefiro falar de uma "Responsablidade historica sobre a Africa", que ajude a nao ficar so em desculpas, mas a ver aquilo que se pode fazer na construcao de uma verdadeira "aldeia global".
1-Mundializacao" e "Globalizacao" num mundo marcado por duas palavras :Norte-Sul
Num mundo onde as pessoas continuam a usar de uma maneira muito acentuada duas palavras :Norte-Sul, nao como uma realidade geografica, cultural, social e humana que o enriquece, mas no sentido exclusivamente economico e das oportunidades que cada um destes mundos teve, me è dificil , como africano que sou encontrar um conceito comum , para compreender o que significa "globalizacao".
A expressao vem de uma outra, que é, "aldeia global", que o sociologo canadiano Mc Luhan introduziu nos fins dos anos 60, para chamar este mundo que se avizinhava cada vez mais com a invencao de diversos meios de comunicaçao.
Hoje a mesma se reduziu à uma visao mais economica e se esqueceu verdadeiramente do seu significado original. Nao sei se é o facto de muitas vezes realidades de pobreza se encontrarem nos paises ricos do norte e de riqueza desproporcionada no sul , isto que se intende por globalizaçao ?
Gostaria que se aclarasse uma coisa : cerca de 1,6 bilhoes de pessoas se encontram em niveis baixissimos de vida, mais de 800 milhoes de seres humanos nao comem o suficiente e 500 milhoes de individuos sofrem de "desnutriçao cronica". Pergunto-me ainda : Que é entao , a globalizaçao ? Nao sera’ um novo modelo prevalente e realmente destruidor para os pequenos e os fracos ? Nao sera’ ainda uma maneira renovada de colonizaçao e de imperialismo ?
E’ este o meu medo.
Creio que a humanidade chegou ao ponto maximo da sua utopia,( e aqui quero fazer referencia ao sentido grego da palavra"utopia",que é "para um lugar"=(u-topos).
Esta humanidade caminha para um lugar comum, mas nao se se deve esquecer que nesta"casa comum", um terço da populaçao mundial, nao consegue fazer festa na "grande mesa " do mundo. E’ verdade que " todos os homens se aproximam uns dos outros como irmaos", mas se deve também acrescentar que muitos destes irmaos sao magros porque os outros nao deixam nada no prato , por terem chegado primeiro à "cozinha" onde se prepara a "comida" da sorte mundial. Enquanto os outros esperavam que a Mae-Terra arrumasse a "mesa", eles foram a correr para a "cozinha" e se intrometeram nos trabalhos da Mama-Terra, sem respeitar as regras e as consequencias ja se fazem sentir : a natureza nao é mais "virgem", foi "violentada" e "violada" com as tecnologias que se orgulham de produzir o desenvolvimento , mas que sao destruidoras, e hoje podemos chorar diante dos graves problemas ecològicos, ainda que os "movimentos verdes" procurem remediar a situaçao. Hoje a natureza nao faz mais festa e a humanidade nao consegue mais sorrir, porque o"verde" da esperança està a desaparecer no mundo.
O sul do mundo ainda pode salvar a situaçao, porque se pode encontrar aì reservas naturais, mas a orgulhosa polìtica da globalizaçao da economia à "ocidental" està a elaborar projectos como "o Nafta for Africa"(liberalizaçao do comercio, onde os americanos viriam em Africa e explorariam nossos recursos sem pagarem taxas nem direitos) e politicas do" rinascimento" africano, que sao palavras bonitas mas que se nao formos cautelosos e nao nos metermos todos em conjunto, veremos desaparecer todo o nosso belo mundo.
Sou a favor do desenvolvimento, mas que coloque no centro a pessoa humana, preocupada nao somente por chegar a "cozinha" e ajudar a Mama-Terra (porque é também necessario isto), mas a procurar sentar-se com todos os outros à "mesa" e por em conjunto a experiencia e as diversidades, fazendo crescer tudo e todos e assim evitar que hajam magros e magras por causa do egoismo de poucos.
E’ preciso reencontrar o verdadeiro sentido da palavra "globalizaçao" e sair dos esquemas demasiado ocidentais. Que nao seja uma nova "ocidentalizaçao" do mundo. Esta foi vivida por nòs africanos, americanos e asiaticos na grande idade moderna. Seria anacronismo desenfreado perceber as relaçoes : Norte-Sul, neste modo. Penso ter chegada a hora em que o mundo, esta grande "mesa", seja um intenso ponto de encontro.
O conceito de "aldeia global" foi ,talvez, mal intendido, sobretudo se este significa que os mais "espertos ", chegam primeiro dos outros a "cozinha", porque preferem romper com as regras da casa, e nao escutam mais a Mae, antes , matam-na, distruindo a natureza, com as tecnologias muito avançadas, frias porque sem calor humano e ainda por cima nao respeitadoras dos direitos e da dignidade da Mae-Terra. Saùdo aqui a Carta dos Direitos da Mae-Terra. Bem vinda e era jà seu tempo.
2- O LUGAR DA AFRICA NA "GLOBALIZACAO"
E’ dificil individualizar o lugar da Africa nesta monstruosa politica da "globalizaçao", e por isso mesmo a chamo assim : um monstro", dificil de perceber.
Pergunto a Africa se ela sabe que coisa queira dizer para ela esta palavra, quando" num mundo sob o controle das naçoes ricas e poderosas, a Africa se tornou um apendice sem importancia, as vezes esquecida e abandonada por todos(Joao Paulo II, Ecclesia in Africa 40).
Que coisa è "globalizaçao" para ti Africa, quando para ti decidem os "5" do Conselho de Segurança da ONU ou o
G8 onde tu nao és nem sequer representada ?
Se se pode falar dos paìses da periferia do mundo, diria que entre estes , os mais periféricos sao os estados africanos, que um teològo angolano, André Lukamba, compara a paràbola do Samaritano que em sìntese è :
A Africa é como aquele homem que descia de jerusalém a Jericò e depois caiu na mao dos banditos que o roubaram, bateram e deixaram no meio da estrada meio morto ( cfr.André Lukamba in Didaskw, Revista de Investigaçao Teologico-Cultural, Angola, 1996,p. 58).
O mesmo André Lukamba contina a sua anàlise a este texto bìblico de Lucas 10,30-37 dizendo : os africanos nao desceram nem subiram ...foram encontrados em casa. E’ alì onde cairam nas maos dos bandidos que lhes derrubaram, expoliaram, mataram e outros deixados meio mortos. Foi a longa història colonial e è a pòs-colonial (cfr.André Lukamba,oc.p.46).
Lukamba chega ainda mais longe na sua anàlise :
Os bandidos,é verdade,que se vao embora, mas antes de partir e felizes porque poderam roubar e levar as riquezas, querem certificar-se que verdadeiramente mataram todos. Por isso, devem financiar as guerras, para que ninguém lhes pergunte e peça indemnizaçao das riquezas roubadas(cfr.André Lukamba,oc.46).
A reflexao do Professor Lukamba, encontra ainda a sua importancia no vasto campo da globalizaçao,diante da indiferença em que vive uma boa parte do mundo em relaçao aos problemas africanos, diante de uma mobilizaçao humanitaria e de um direito internacional que parece seguir logicas de uma geografia selectiva, como o reconhece a ultima conferencia sobre a pobreza.
Na tràgica situaçao de Africa hà coisas que nos superam e que sao muitas vezes o resultado do complexo cruzamento de interesses polìticos, estratégicos e econòmicos. Nao se pode entao dar somente a culpa a Africa da actual crise, tem sim grande parte da culpa, mas saber que é obrigada também pelas novas estratégias do capitalismo neo-liberal.
Tenho amigos em França que querem acentuar o protagonismo da Africa no seu proprio destino, mas é um pouco dificìl te-lo quando as potencias procuram hoje sufocar os mais fracos e pequenos, e sobretudo quando um grupo de paises constringem todos os outros seguirem as leis que eles ditam.
Estamos a viver ja um novo "apartheid", que este Seminario chama e com uma corajosa e feliz expressao de :"apartheid global". Trata-se de um verdadeiro "apartheid". Nao racial mas economico.
Que coisa se precisa entao ? Se deve, sair dos quadros tecnocraticos do mundo. Fazer uma reforma a partir de dentro, nao conceber tudo a partir dos modelos tecnologicos, a "tecnocracia", que tirou o lugar à todas as formas ideologicas de hoje deve dar lugar à uma nova cultura, aberta as outras culturas, ao dialogo, ao respeito das pluralidades culturais, à cooperaçao sem imposiçao (cfr.Gaspare Mura, Processo di mondializzazione e pluralismo culturale, in Quale globalizzazione ?Las-Roma 2000,p.12).
Se deve abandonar também a concepçao do mundo partindo de uma "cultura da moeda", ditada sò pelo "dolar". Se deve recuperar a "cultura da gratuidade e do dom", fazendo cair a "Torre de Babel" representada pelo "ìdolo do mercado" e entrar assim numa descentralizaçao da cultura e nao na sua monopolizaçao (cfr.G.Mura, o.c.,p.125).
Penso que nesta perspectiva, como africano,perceberei que é "globalizaçao". A Africa se reconhecerà neste processo, afirmarà o seu sentido de responsabilidade, afrontarà a sua història e os novos desafios. Entao "globalizaçao ", serà cooperaçao, mas uma cooperaçao que significa a inserçao das economias africanas na grande economia mundial.
Nos pontos precedentes procurei fazer ver como se pode falar de um medo.
Diante de um grande movimento, se impos uma globalizaçao que dà a precedencia a acumulacao monetària e ao valor comercial das "coisas", contribuindo também na globalizaçao da corrupçao, que o movimento dos capitais facilitou, o assim chamado"dinheiro sujo"(basta olhar para o caso de Angola).
A globalizaçao se compara ao "complexo de pigmeu", onde os governantes africanos,sao submetidos aos desejos dos "gigantes",cuja intençao declarada è possuir as riquezas destes territorios e a fria e sistematica eliminaçao dos seus legitimos habitantes.
Por isso, a Africa é acusada de viver na desordem, e até ha’ quem fale de uma inata"barbarie africana", mas tudo se explica porque a pessoa africana, sobretudo aquela da Africa Sub-Sahariana, dominada, rasgada e humilhada depois da irrupcao da arma de fogo, perdeu toda a confiança em si mesma.
E’ verdade que esta Africa se pode orgulhar de ser o berço da humanidade ; as mulheres e os homens deste continente inventaram uma sua cultura como resposta aos ciclos da natureza, com as suas descobertas simples baseadas nas observaçoes dos fenomenos naturais. Inventaram as tecnicas de produçao, ainda que rudimentais e hoje anacronicos, mas adaptados aos seus estilos de vida. Os africanos e as africanas com a introduçao da arma do fogo perderam o seu dinamismo.
Neste mundo, onde a guerra se transforma num instrumento permanente da politica, porque se revelou o meio privilegiado para a conquista territorial e para a dominaçao dos povos, de fronte desta, as populaçoes africanas se encontraram absolutamente desarmadas e se tornaram presas facéis para os invasores e os dominadores estrangeiros.
Humilhado e colonizado, o africano perdeu toda a confiança em si proprio : toda a sua personalidade.
Reduzido à produto economico e vendido às outras naçoes, o africano perdeu também a confiança de trabalhar com o europeu até nas coisas que tocam ao seu proprio desenvolvimento, e isto se justifica porque este negou-lhe por muitos séculos o primeiro e fundamental direito da pessoa humana : a sua propria identidade !
A coisa pior é ter sido empobrecido antropologicamente, como o afirma o teologo camarones Engelbert Mveng.
O africano foi formado na cultura da servidao e, na sociedade, foi a incarnaçao de um ser inferior, sem consciencia historica. Hoje , em vez de criar uma coisa nova, parà extasiado diante das descobertas cientificas e das invençoes dos outros, e nao se aceita capaz de competir com eles : para ele, o invasor tornou-se um "super-man" e traumatizado pensa que este seja invencìvel.
Hoje este africano vive uma crise profunda da sua consciencia e interroga sobretudo o seu destino, incapaz de ler a realidade mundial e as élites pensam serem incapazes de contornar esta situaçao e de resolver os problemas das suas populaçoes.
3-CONCLUSAO
Concluo dizendo, que , afinal de contas a globalizaçao para o africano terà de ser bem vista e nao deve significar, como disse Mahathir Mohamad, primeiro ministro do Malawi, na Conferencia de Maputo : "uma velha ordem de coisas com novos meios de controle, novos meios de opressao e novos metodos de marginalizaçao". Devemos combater por "uma globalizaçao que passe pelo dialogo entre os marginalizados e os desfavorecidos", como o disse também Musseveni, o presidente ugandes.
E’ chegada a hora de unir nossas vozes para que a marginalizaçao nao passe em silencio. Ocorre gritar mais forte pedindo e lutando por caminhos novos, com novas regras de solidariedade e de respeito da base, com a intençao real de mudar tudo a favor da dignidade da pessoa humana.
Se deve criar uma nova pessoa, uma nova humanidade, se deve superar a politica que se baseia sobre a existencia de "pessoas-zero", isto é , consideradas como o resto da sociedade, numa mentalidade somente economica avaliada sò em termos de custo.
Devemos , orientar, a globalizaçao para uma sintese de agrupamentos regionais ao serviço das populaçoes ( cfr.François Houtart-François Polet-coordinatori, Globalizzazione delle resistenze e delle lotte, l’Altra Davos, EMI 2000, p.87).
Acrescento que se deve começar por se sair da"cozinha" e ir " à mesa" nao so’ para esperar a "comida", mas sobretudo para dialogar e aqui penso no meu paìs : Angola, destruida, por uma guerra de 30 anos e que tem jà um nome : corrupçao economica de poucos que sacrificam a vida da maioria.
A globalizaçao entao, deve dar o primado à pessoa humana e preocupar-se da protecçao do ambiente, com um conceito de economia nao so como mercado e lucro mas como expressao de comunhao e de solidariedade.
Apresentaçao do autor :
José Adriano Ukwatchali, nascido em Catumbela, Benguela (Angola-Africa), aos 2 de Fevereiro de 1968 é sacerdote diocesano de Benguela, Angola e se encontra na Italia, desenvolvendo seu ministério pastoral na Diocese de Modena, na Paròquia de Sta. Teresa.
Depois de ter publicado no jornal da Igreja Modenese, o artigo"Em Angola, a missao é um desafio", ei-lo no segundo nùmero renovado do "Nostro Tempo"( Semanàrio Diocesano Modenese), a contar a absurda e esquecida guerra do seu pais.
Para contactos :
José Adriano Ukwatchali,
Casa del Clero di Modena
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e-mail :ukua@libero.it
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